Acordou mais uma vez com a boca seca. Já passava das três horas da tarde e o sol alto incomodava seus olhos. Logo a noite chegaria e ele teria que ficar pronto para o trabalho. Juntou suas coisas e foi tomar um banho, longo e demorado como sempre era. No banho, podia pensar em tudo que deixou para trás antes de chegar ali. Pensava na família, nos amigos, e em suas tolas, porém grandes conquistas pessoais. Não valiam muito para os outros, é verdade, mas para si, sempre foi uma grande coisa.
Era por essas e outras que agora ele estava ali, com seu negócio, solitário, esperando apenas uma oportunidade para levantar voo novamente, ou simplesmente ficar ali para sempre. Saiu do banheiro com a toalha sobre o pescoço. O calor era intenso e ele nunca se importou muito com sua nudez. Enfim pegou uma roupa leve, mas colocou na bolsa um casaco velho que sua mãe havia lhe dado na última vez que se viram, pois sabia que a noite, pouco antes da madrugada, costumava esfriar assustadoramente.
Pegou suas lâmpadas velhas e mais alguns potes de vidro, sua maleta de solda e fios e foi para seu ponto tradicional. Sim, era nisso que trabalhava. Customizava lâmpadas velhas, modificando e arrumando, deixando-as novas de novo. Algumas ele deixava com aquele aspecto de galáxia que os jovens tanto procuravam. Outras, ele apenas trocava tudo o que havia por dentro por peças novas, e que estranhamente duravam “para sempre”. Além das lâmpadas tradicionais, conseguia transformar qualquer recipiente de vidro em lâmpada. Normalmente usava potes pequenos, mas em sua casa também usava potes grandes. Era sempre divertido ver a reação das pessoas ao ver uma lâmpada feita com um vidro de pimenta ou de azeitonas. Alguns mais curiosos e falantes perguntavam de onde ele veio e o que fazia por ali além das suas luzes maravilhosas. Ele, que preferia se reservar quando o assunto era seu passado, apenas dizia que voou muito e acabou pousando ali, e que fazia o que gostava de fazer.
Na feira não havia só ele. Vendiam também coisas básicas como pães caseiros, doces e verduras plantadas em casa, porém ele era o único que vendia algo que enchia os olhos de todos, e encheu os dela também. Não notou quando ela se aproximou, mas viu alguém tocando os pequenos saleiros de cabeça para baixo iluminados. Na hora estava dando atenção para outro cliente e só quando se virou para ver o próximo, se viu naqueles olhos cheios de brilho com suas luzes. Olhos que ele sabia bem a quem pertencia. A primeira cliente, alguém que sempre aparecia desde que ele apareceu, morena dona de um cabelo longo preto e brilhante. Era mais nova que ele como a maioria de seus clientes. Aquele sorriso era irresistível.
– Olá boa noite!
– Boa noite madame, no que posso lhe ser útil?
– Madame? – Ela soltou um sorriso!
– Não sei seu nome, nunca perguntei, desculpe minha falta de educação!
– Tenho minha parcela de culpa, afinal venho aqui direto e não sei seu nome também!
– Sou Marcos e você?
– Valéria, é um prazer Marcos, como anda sua vida?
– O prazer é todo meu não tenho do que reclamar. E como vai você?
– Estou bem, graças a você.
– Graças a mim? Hahaha, como assim?
– Suas lâmpadas, elas velam meu sono.
– Fico lisonjeado com isso, em que esse humilde servo pode lhe ser útil?
– Quero que me conte sua história!
– Não tenho histórias para contar, não sou bom nisso, e garanto que as lâmpadas são mais interessantes…
– Todos têm histórias, alguém com um dom tão lindo como o seu, tem que ter um começo, sou repórter, quero contar sua história para o mundo, você me ajudou quero te ajudar vai ficar famoso!
– Não me interessa fama, o que posso fazer por você é te pagar uma bebida depois que eu sair.
– Combinado então, vou dar uma volta daqui a pouco nos vemos.
– Até mais!
Aquele jeito dela sorrir, o remetia ao seu passado, e isso lhe incomodava, continuou a vender, mas não conseguiu tirar o sorriso da mente, então guardou suas coisas e esperou ela retornar, enquanto fumava recordava de seu passado. Ela apareceu algum tempo depois, ficou brava por ter visto que ele estava pronto, queria ter ajudado a arrumar suas coisas. Foram para um bar perto da casa dela, ela recomendou, ele pediu conhaque e ela cerveja, ao serem servidos, a conversa recomeçou.
– Porque lâmpadas? – Ela perguntou
– Porque não?
– Você não gosta da falar sobre você?
– Desculpe não tenho muito que falar, sobre mim.
Responda-me, porque comprou lâmpadas?
– Ah um tempo não conseguia dormir, algo incomodava na escuridão, comprei a primeira por achar bonita, e quando acendi uma paz estranha me preencheu, esqueci-me do escuro e dormi como criança, as outras fui enfeitando minha casa o escritório, e ando mais leve desde então.
– Bom agora você sabe por que lâmpadas…
– Não, eu sei por que eu as compro e não porque você as faz…
Ele pediu outra dose, e perguntou se podia fumar ali, se não a incomodava o cheiro do cigarro, ela disse que não.
– O motivo é esse seu, as pessoas tendem a se sentir seguras com luzes iluminado a sua volta, eu só faço lâmpadas e as vendo, não tem nada de místico nisso.
– Assim você quebra o encanto. – Ela riu.
Era realmente um riso muito bom de ouvir. A verdade é que nunca houve encanto nenhum, apenas algo tão natural que era difícil de ser compreendido por mentes tão lógicas que buscam o sentido e mil motivos para tudo. Tragou seu cigarro lentamente enquanto ouvia-a dizer e insistir sobre qualquer história que pudesse haver.
– Mas já que não tem nada místico como você mesmo diz, então como começou tudo isso? Quando você percebeu que era uma boa ideia levar “luz para a humanidade”?
Ele sentia um tom irônico, mas até que era divertido.
– Começou comigo mesmo. Um dia eu estava sozinho, procurando algo para me entreter. Havia a escuridão e então veio à luz. Eu não tinha muita prática, então as primeiras lâmpadas queimavam em questão de segundos. Quando eu fiz uma que conseguiu durar por uma semana inteira, resolvi fazer outras, e então, você comprou a primeira.
– Isso eu me lembro. Não havia muitas, mas ainda assim, eram e ainda são extremamente interessantes.
Ela então passou a pensar sobre o que ele havia dito. “Havia a escuridão e então veio à luz”. Por vezes ela mesma ficou incomodada com a escuridão e tudo que vem com ela, e então veio à luz, aquela pequena lâmpada pouco convencional que mesmo sendo feita de forma artesanal, era capaz de iluminar todo o ambiente. Percebeu que mais que o ambiente, ela iluminava também a sua mente, que outrora, não era capaz de enxergar qualquer claridade.
Conversaram outras amenidades, e então, saíram dali para caminhar um pouco. A noite estava fresca e a lua alta. Era uma ótima para caminhar ao som de uma voz agradável. Finalizando seu cigarro, ele a convidou a sentar numa praça próxima, bem arborizada. Além da lua, postes antigos, clássicos dos anos 20, restaurados recentemente, ajudavam a dar luz ao local. Aproveitando o encantamento dela, aproveitou para rebater algumas perguntas.
– E você, como começou a ser jornalista? – Disse ele despreocupadamente.
Ela virou o rosto, olhando as árvores, e respondeu:
– Não sei dizer bem, não são muitos que me perguntam sobre isso… talvez tenha nascido da vontade de dar voz a pessoas que tem tanto para falar e tão pouco espaço. Da vontade de contar histórias… Da vontade de… – e então ela se calou.
Ele olhou para ela que agora encarava o chão, bem séria. Esperou um pouco para perguntar o que havia acontecido, talvez ela tenha se lembrado de algo. Mas quando se deu conta, alguém estava atrás dela, com uma arma apontada para suas costas. Antes que pudesse fazer algo, foi surpreendido por um homem apontando uma pistola em sua testa. Os dois homens, altos e com um capuz feito de touca, pediram para os dois se levantarem. Ele ficou apreensivo apesar do semblante extremamente calmo. Ela estava pálida, nitidamente apavorada. Mal se mexia e era só observar suas mãos para perceber o quanto. Até então, ele estava colaborativo, cooperando e entregando tudo o que eles pediam. Até que eles começaram a passar a mão nela e ele resolveu agir.
Derrubou um dos caras num ato impensado e nenhum pouco calculado. Quando o desmaiou com uma coronhada na cabeça, ouviu um click por trás. Foi tudo muito rápido. Assim que o tiro foi disparado, ela pulou na sua frente, caindo desmaiada. O sangue logo começou a correr, mas não tão rápido quanto o assaltante que a está hora já estava longe.
…
Havia escuridão. Então veio à luz.
Era o que dizia o bilhete com rosas brancas e amarelas ao lado da cama do hospital. Ela acordou atordoada, com tantos fios e um soro que pingava lentamente, ligado à sua veia, mas abriu um sorriso enorme ao ver as flores e uma pequena lâmpada feita com um pequeno vidro de perfume redondo.
Escrito por : Aleks Durden e juhliana_lopes